terça-feira, 25 de março de 2008

não sei

não sei se sou eu que faço um muro de silêncio sobre mim, se é o silêncio que me cobre com um desprendimento agreste e inebriante. e eu finjo que já não lembro quando o sol deslizou nos nossos corpos e tu beijaste a minha pele assustada....

.©Piedade Araújo Sol 


domingo, 23 de março de 2008

estamos a respirar o mesmo ar


Andei na tarde junto à orla da praia. Estava vento e frio. Uma nuvem desceu sobre mim. O crepúsculo desenhava sulcos de sangue. Respirei fundo como se o ar não me chegasse.

Estamos a respirar o mesmo ar.

A cidade abraça-me e eu vejo a minha sombra esculpida na sombra da tarde.

-
Posso tirar uma foto?

Aquiesço com um sorriso triste.

-Está boa tem luz no fundo do lodo dos seus olhos.

Estamos a respirar o mesmo ar.

-
Posso usar a sua foto?

Respondo sem responder apenas emito um murmúrio que se perde na noite que assoma receosamente. Tenho frio! É hora de regressar?! Não tenho hora para ir, ninguém me espera.

Estamos a respirar o mesmo ar. Tão juntos e tão distantes.

Foto:Drax


sábado, 22 de março de 2008

Eternamente Menina

Para a Menina Marota

Assim serás
Eternamente menina de chapéu azul
A proteger os cabelos ao vento
Numa praia qualquer…

Das tuas mãos saem cascatas de letras
Que distribuis mansamente
Sem querer receber nada em troca…

Apenas e pelo simples prazer de dar
E ser generosa
Eternamente menina
Que o sol te aqueça o coração…
.
A Foto é da A_Nuska

sexta-feira, 21 de março de 2008

gosto de ti

gosto de ti. sei que não devia. em ti há tudo o que eu abomino num ser humano. podia deixar de gostar por tantos motivos. pelo teu temperamento forte e vincado, por seres obstinado e áspero, manipulador e sem princípios. porque quando fazes asneira te arrogas sempre em vítima, na tua visão de óptica. podia gostar de ti, porque entendes de arte e telas, pinturas,fotografia e tantas coisas que aprecio e sou inteiramente leiga, e tu és um crítico arrojado e ardiloso. podia gostar de ti pelo teu gosto requintado nas roupas que usas e que te ficam tão bem, pelo toque das minhas mãos no teu cabelo sedoso e macio como veludo, pela tua pele morena. pelo teu cheiro, natural a fresco e a plantas silvestres . podia gostar de ti ( e gosto) de todas e tantas maneiras possíveis, que nem congeminas, e eu tenho pudor de as admitir para mim própria. gosto de ti. é certo, que não queria , mas gosto! gosto de ti, da voz, sempre ríspida, sempre desprovida de afectos. sempre ausente e sempre presente.

gosto de ti porque sei que não devia gostar...
Foto:Marta Ferreira

domingo, 16 de março de 2008

Não sei quem sou

Nada se dilui no pardacento da tarde. É quase noite em mim. Não me lembro das manhãs. Muito menos das madrugadas mais longínquas no meu corpo. Olho-me no céu. Parece que vai chover. As terras estão secas como eu. Há tantos dias que os meteorologistas anunciam a chuva. Mas do céu não cai uma gota sequer. E eu a precisar do gosto da chuva no meu corpo. As terras estão ressequidas. Esquecidas de Deus. Que também se esqueceu de nós. Os velhos dizem que é a maior seca dos últimos trinta anos. Eu não sei há quantos anos dura a minha estiagem. Nem tenho ainda essa idade. Ou será que tenho…?!

Já não sei nada de nada. Às vezes gostava de saber os tempos dos velhos da aldeia. O tempo das sementeiras. O tempo para plantar as batatas no pedaço de terra ideal. O tempo das cebolas e por aí adiante. Gostava de saber os meus tempos. Das sementes que a minha terra não vê plantadas. Os meus campos enjeitados. A casa de pedra vazia de sonhos. O poço sem água. Os jardins sem flores. As trepadeiras retorcidas. Exauridas em abraços de morte a paralisar o corrimão. Tudo vazio de sons. De mim e de todos nós. Desfaleço como as paredes da casa que contam histórias a ninguém. Já não estamos lá. Nem os velhos para dizer o tempo.

Olho o céu. Talvez chova. É noite em mim. Deito-me diluída na cama.Na posição fetal. A madeira é demasiado sólida para este corpo quebrado e mirrado . Observo alheada a parede pintada a cal branca do quarto. Eu, trepadeira retorcida na chuva que não cai. As paredes cheias de nada. Não sei por que me deito nesta cama. Onde não durmo. Tantas noites em branco na parede branca que me espreita com um desgosto negro. Este corpo que se deita nesta ou noutra cama. Nesta ou noutra parede.Neste ou noutro País. Não é o meu corpo. É mais um corpo. Não sei de quem é. Os velhos dizem que perdi a memória. Talvez seja verdade! Talvez seja por isso que já não sei quem sou...


2008/03/17

quinta-feira, 13 de março de 2008

lá fora está um dia morno.

lá fora está um dia morno. regresso do fim de uma viagem que ainda não efectuei. desarrumo uma mala repleta de roupas desarrumadas. roupas velhas, que nunca usei. retorno ao fundo do mais fundo dos meus pensamentos indecifráveis...

sexta-feira, 7 de março de 2008

As tuas mãos já nao se vestem

a brisa entrançava-se – boquiaberta – nos meus cabelos. também errava – macia – no jardim muito verde com flores de todas as cores. eu tinha sede – de ti – e bebemos água pela mesma garrafa. a água estava fresca e tu sedento de mim. a brisa entrançava-se – perdida – nos meus cabelos. perdemo-nos – imersos e cegos – na brisa e no jardim muito verde que tinha flores de todas as cores. os meus cabelos estavam soltos e caíam – em cachos – pelos meus ombros nus, presos numa carícia – ininterrupta – às tuas mãos, que deles se vestiam desabotoadas. a brisa penetrava na tarde do jardim muito verde com flores de todas as cores, onde a ternura das tuas mãos se demorava, enquanto a brisa – boquiaberta – se entrançava nos meus cabelos. onde as tuas mãos deles se vestiam desabotoadas. hoje, voltei ao jardim muito verde com flores de todas as cores. a brisa já não se entrançava – boquiaberta – nos meus cabelos. só em mim. cá dentro, continua a viver um jardim muito verde com flores de todas as cores. mas as tuas mãos já não se vestem – desabotoadas – dos meus cabelos.

terça-feira, 4 de março de 2008

arrumo as minhas coisas.

arrumo as minhas coisas. poucas. esboço um sorriso nostálgico .menos isso que não terei de arrumar. as minhas coisas! cabem na minha mão pequena. são só fiapos de brisas salinas.a fúria da tarde singra na minha pele.este frio que se instala em mim, é amargo, como são todas as partidas. vou embora mais uma vez. estou sempre a partir. e lá fora a cidade vacila. as ruas estão sujas, a cinza do cigarro cai sobre o silêncio escorregadio dos meus dedos hirtos. arrumo as minhas coisas. poucas. os pensamentos atropelam-se desconexos e furtivos. já li mais de mil livros e só me lembro do cheiro deles. a tarde avança enérgica e calada. o telemóvel está calado,esquecido. o vento demora-se na minha epiderme. arrumo as minhas coisas. poucas. e parto mais uma vez…

sábado, 1 de março de 2008

Sei que posso mentir...

Sei que posso mentir.
E dizer que foste a brisa,
que passou rapidamente.
Ou um pássaro que voou
para longe de mim...

Sei que posso mentir.
Não sei quem és.
Não te conheço.
Não te tive.
Não te quis...

Sei que posso mentir.
.
Mas, não gosto de o fazer nem a mim própria...