terça-feira, 26 de maio de 2009

Presságio


Emudeci
e um presságio feroz
penetrou no ocaso
engalfinhado como fogo
sepultando no mar
a réstia de esperança.

Um presságio desenfreado
na soleira do meu desencanto
jazendo em filamentos de cores
em mágoa, incendiada e cega
ferindo-me os olhos pesarosos.

No mar alteroso, e de onde já
a noite seu manto desenrolou
eu senti em forma de presságio
o teu adeus
cingido em sal na aragem
que em mim se abraçava.

Cerrei os olhos
e , no sussurro de vozes
imagináveis
que a escuridão agora me tráz
eu não sei ainda
se foi presságio ou apenas
e somente uma divagação.

.
Foto:ja-nusz

terça-feira, 19 de maio de 2009

Há sempre um abismo

Há sempre um abismo
Que nos impele
E se desfigura
Em trevas, a cada anoitecer
Para renascer nos segredos
Potenciais suicidas
Em cada alvorada.

Há sempre resquícios
De estalactites paradas
Nas grutas descobertas
Depois da estupefacção do olhar
Que deixaram símbolos inscritos
Para a posteridade.

Há sempre em mim
Sangue e vida
Que do abismo se delonga
E deixa no ar um bálsamo de framboesas
Que se confunde com a terra molhada
E me deixa estática
Como se fora uma estátua de pedra
.
.
Foto:birdii

terça-feira, 12 de maio de 2009

A noite resvala


A noite resvala
na correnteza do rio
carregando a madrugada
que nasce desinquieta
ante a janela entreaberta
que deixa transpor a luz ainda mortiça
sobre o vulto do teu corpo entorpecido
exausto, a recompor-se da
sofreguidão do fogo extinto.

A inocência perversa repousa
nos cascos dos potros selvagens
em nós metamorfoseados
em embevecida entrega de
beijos
mãos
bocas
corpos e suspiros em cascata
de águas líquidas transbordadas.

Renasceremos antes que a aurora
invente o dia
porque havemos sempre de compreender
os silêncios das palavras inaudíveis
nos olhos nos olhos
e na dilatação dos corpos.
.
Foto:Dorota Dzidudi

terça-feira, 5 de maio de 2009

Amoras maduras

Ao sabor das amoras na minha língua maduras
- era talvez o tempo delas – fechei os olhos,
para assim prolongar dentro do meu peito
a memória aconchegada no gosto das bocas.

Como suster o ar – sem respirar? –
Quando bebo a fragrância derramada
Do teu corpo adormecido
Sob os lençóis amarrotados da loucura?

Estou imobilizada – sinto o teu respirar –
Abro lentamente os olhos e perscruto o teu sono.
És terrivelmente belo, qual anjo adormecido.

Os anjos não dormem – nem existem – porque
A loucura cai branda e, alienada, ecoa nos latidos

Noctívagos de um cão à procura de amoras maduras
.

©Piedade Araújo Sol 
foto:_-_Eau_-_