terça-feira, 30 de novembro de 2010

por vezes


Por vezes chamo o teu nome - acho que é
apenas quando sonho.
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Pelo menos é essa a minha convicção, de
me sentir ave em voo rasante
misturada com sal e asas.
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E sei que não oiço
marulhos
nem vislumbro gaivotas,
apenas um nome
que escrevo na areia ou
na tela que pinto
em mãos cheias de tintas
pastosas,
que me sujam os dedos e
a alma.
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Ao longe, uma tela,
o teu nome em tons de azul
com as minhas nuvens de cinza…
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terça-feira, 23 de novembro de 2010

A manhã glacial e enevoada

A praça está lavada da chuva que caiu
durante a noite, impiedosa e ininterrupta.
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Os plátanos ficaram despidos
e, no ar onde se agitam estilhaços
que voam em mim como o emudecer
da manhã que rebentou glacial e enevoada,
sopro o pólen
que me agride as narinas magoadas.
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Não sei por que o desejo esvoaça
e se ri de mim, embriagado,
apesar do frio da manhã
e depois duma noite sem sono, nem sonhos.
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Escondo as feridas que deixaram cicatrizes
expostas, inflamadas, dolentes,
porque, ébria de ti, quero perder-me nos teus olhos
para encontrar o sentir que navega no teu peito.
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©Piedade Araújo Sol 
Foto: Ttrrrrrt

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Os beijos nus


Os beijos, trocados nus
na obscuridade da casa,
fecharam a luz e a água.
A casa, no monte das madressilvas,
ficou com a cama no chão.
O sabor a mirtilos,
dos teus lábios nus nos meus,
deixou a casa sem chave,
sem porta e sem tecto.
O luar e as estrelas,
pousaram nas minhas mãos e nas tuas.
O mundo dentro de nós
quedou-se sem amanhã, sem ontem.
Apenas nós e o hoje.
O tempo de estações
invadiu-nos sem tempo, sem preâmbulos.
Os beijos nus,
tão nus como nós quando nascemos.
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Foto: Graça Loureiro

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Um dia, é já hoje.


As coisas simples são as mais difíceis de escrever e até mesmo de falar. Um dia, é já hoje, e eu quero deixar o hoje para amanhã porque amanhã, logo se vê… E, protelando, falarei não das coisas simples, mas sim das mais difíceis. E o hoje será ontem. E aqui me quedo extenuada e vazia, perante uma plateia, estupefacta e carente de nem saberem, nem eu, o que fazem aqui, e o que não ouviram do que era suposto ouvir.

As coisas simples, neste momento, são as águas das nascentes (por vezes raras), são aquelas coisas que eu invento (escrevendo) e amarfanho – muitas vezes – quase sempre, para dentro das gavetas esquecidas, e onde existem apontamentos escritos (meus) de quem nada diz e quis dizer, de quem nada quer e tudo tem.

Um dia, ninguém falará das coisas simples. Um dia nem existirão coisas simples para falar.
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terça-feira, 2 de novembro de 2010

hoje


hoje à tarde, derramada, sentei-me no banco de pedra que existe na praia a lembrar-me de ti. por momentos, ouvi o teu riso e senti ainda o teu abraço. querias levar-me a visitar o Louvre e deste-me o teu último esboço feito em papel de arroz. tinha o cheiro de papel teu e guardei-o como se fosse um tesouro. já não tenho o teu cheiro – mas ele pairava na tarde entornada no mar que estava revolto. havia gaivotas – muitas - e o vento que me despenteava os cabelos era quente. hoje à tarde,  tive a certeza de ouvir de novo a tua voz no eco dos búzios.
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Foto:Marta Ferreira