terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

a dança na areia


Para C.B.
deixo-me ir, livremente abandonada, ao sabor da tarde desenhada no horizonte do sentir.   vou, sem urgências, com a certeza da viagem na curiosidade do tempo e no gozo do enlaço em que me desenho no vento.

não há acordes de música e, no entanto, paira no ar a sinfonia melodiosa das marés claras.

deixo-me ir, qual livro com páginas em branco, onde as palavras alinhadas não existem, onde a estória órfã de trama não se abriu ainda. há apenas uma sombra, com uma tatuagem de orquídea na nuca, que dança no ventre da areia fina da praia, uma dança nupcial, no harém da génese das palavras, odaliscas à solta nas estrofes das marés.
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© Piedade Araújo Sol 2012-02-28.
Foto :aniawojszel

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

eu posso desenhar um poema


eu posso desenhar um poema. é como escrever, só que de maneira diferente. com o meu desenho eu posso transmitir a sensibilidade das palavras que não digo, apenas pelo olhar que o leitor tenha, pela paixão ou não, que coloquei no meu desenho.


as linhas, por vezes imprecisas da minha mão nem sempre segura, podem ser apenas rabiscos de cores ou uns riscos e, no entanto, falarem de amor e de paixão, de ódio e de desamor de ruas e cidades. podem transmitir um sorriso, uma cor, um corpo, um sabor.

o beijo e o abraço podem ser desenhados assim e, sem que me entendam, posso falar num poema que, não sendo escrito, é pintado com as cores da vida.
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© Piedade Araújo Sol 2012-02-21
Foto: Rafał_M

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Não sei se sou uma metáfora diluída


Não sei se sou uma metáfora diluída
numa gota de um poema
que não fiz
na lágrima que se desfaz
no orvalho consagrado
à radiação noturna
da ambiguidade de mim.

Serei apenas uma mescla
da vontade retratada nas palavras
que deambulam desnudadas
despojadas do destino
a metáfora
do poema que existe em mim.

Estranhamente
no ciclo das marés
ou na mudança das estações
renascerei, enfim
equinócio ou
solstício de um verbo só.

© Piedade Araújo Sol 2012-02-14
Foto : kiki123

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Um frio



Um frio brando percorre a casa. Ninguém se lembra das cortinas que cobriam as janelas. Lá fora os pássaros debicam os frutos maduros não colhidos.  Os trilhos para o regato – seco - esvaíram-se.

Ali ainda sobrevivem as paredes do moinho que outrora girou em mãos calejadas pela sorte – madrasta ou não.  E os dedos esgotados escrevem solidão nas pedras de granito gastas pelo tempo, massacradas pelo vento – agreste – eternamente.
Até as letras acabaram por tombar, decepadas com golpes de facas, lâminas que incrustam o uivo do vento no lamento da tarde.

Um frio brando goteja na memória das paredes da casa desamparada – de velha – num país de estátuas que pululam nos corredores do poder e se entranham no tempo sem tempo de ninguém e de todos – nós.

Sei dos labirintos do sol – morno - que em labaredas varre o céu, ainda e sempre azul.

Mas é um frio branco que escorre pelos dias sem o sabor da revolta, deslavrada no sal das lágrimas que se confundem com o vento em seu perpétuo lamento…
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© Piedade Araújo Sol  2012-02-07
foto: asiasido