terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Teatro


Nascem personagens
morrem mitos e encenam-se cenas
com actores programados
sem saberem qual o próximo papel
ou contracena.


Lança-se a confusão
e do alto do palco
alguém executa o papel principal
com mestria
com saber de improviso
e demagogia.

E o fogo que consome
brevemente os mapas
rasgados em fragmentos
espalhados pelo chão
e a sede lançada na plateia
paciente e informada.


Somos actores
pobres náufragos deste tempo
incerto e desnorteado
em faúlhas de desnorte
em bússolas desacertadas
amorfas e gastas.

Cai o pano
a plateia já não existe
o teatro desabou
e os actores estão loucos
e nus
totalmente nus
como quando nasceram.


© Piedade Araújo Sol 2013-01-29
foto : kwiat7

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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Em Janeiro



Em Janeiro
com o frio a infiltrar-se nos ossos
Lisboa não cabia nos teus olhos
quando te perdias pelas ruelas desconhecidas
e a ansiedade te invadia
o rosto incendiado de ternura.

Quando olhavas para as montras
e ajeitavas os cabelos de chuva
descaídos pelas costas
não sei que imaginavas
quando com o meu casaco
te cobria o corpo franzino a tiritar.

Os teus sonhos talvez fossem
os barcos que navegavam no Tejo
e as tuas mãos que entrelaçavas nas minhas
nas noites em que cintilavam estrelas que eu nem via
e tu sorrias calada.

Eu não sabia -ainda - que em ti existiam
sabores de sentimentos ocultos
e um sorriso de sal e algas tão grande
que sobrevive no tempo e nos teus olhos,
e que no teu ser os afectos estão entranhados nos ossos.

São eternos como os barcos do Tejo.

© Piedade Araújo Sol 2012-01-23

Foto: Peter Smith

(Reeditado primeira publicação em 2012-01-24)

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terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Segredos

 photo Red-Angel-Angel-Rojo---4_zps1e238613.jpg

Era um segredo meu,
mas perdi o medo de o revelar.
Tenho medo, um medo até do próprio medo,
mas penso que seja igual ao medo
dos que se cruzam comigo na rua.

Detenho uma réstia de esperança,
que se quer verde,
mas ela é ténue,
contrasta com o verde afoito dos meus olhos.

Quando o outono chegar,
talvez eu tenha o medo embrulhado
na folha de uma árvore, que se perderá
quando ficar nua.
E, nessa altura, eu nem me lembre mais

de quando eu tinha medo e sabia
que o tinha.

Mas virá o dia em que,
agarrada a um verso de esperança,
eu amanheça verde sem medo num poema.



© Piedade Araújo Sol 2013-01-21

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terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Desânimo

Não sei onde fica o limite
das coisas,
só sei que hoje a luz não cintila
em parte nenhuma do mundo
ou talvez seja só aqui,
mas para mim é em todo o universo.

Gostava que me levasses a olhar o céu
e a pincelar as nuvens da cidade grande
com a luz que hoje não apareceu
e que este frio, que se entranhou nos ossos
e me rouba os movimentos ágeis,
me encaminhasse a abraçar-te
e a flutuar nesse abraço de bem-estar.

Mas o teu abraço já não existe,
restam apenas fragmentos 
e um pouco de ilusão,
esmaecidos em sulcos de pingos de chuva
que subsistem na rua encharcada
e no tédio de existir neste país
sem futuro nem presente.

Não exijo nada,
apenas queria ver o sol
e com ele a esperança,
sem o espectro deste medo que me tolda a vida
e a vista enfraquecida
de nada ver e nada esperar.

Só sei que hoje está frio
e que a cidade grande já não tem a cor
de antigamente.


© Piedade Araújo Sol 2013-01-15
foto arcus9

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terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Elegia de Janeiro


Em memória de Vino Morais

Não era (ainda) a época da seca
no silêncio abalaste, sem névoa de cacimbo
no embondeiro da praça
era Janeiro e partiste.

Talvez a lua a morrer em teu olhar
ou a ternura banhada
nas palavras que sempre ficam
por dizer, entornadas na faringe.

Suportando alguma réstia de tinta
em teus dedos doridos
nas cores fortes que se confundem
com o sangue de um verão vindouro
por acontecer numa tela
prenhe de sol e canícula.

Tenho um poema, que procuro
talvez no mar ou no horizonte até onde
me alcança a vista
e procuro com o olhar imóvel
pétalas de flores, ou tão somente
o voo das gaivotas a planar.

Cada tela tua será a presença
inequívoca de que o corpo abalou
mas ficou a pairar a passagem
do vulto a voar qual ave sedenta de
semear as cores ainda por acontecer.


© Piedade Araújo Sol 2013-01-08
Imagem de Vino Morais


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Selo Literário

TSelo Literário 2013 - Leia sempre 
foi criado pela blogueira 
Érica Rosi

Este selo, que desde já agradeço, à nomeação do meu blogue foi-me oferecido pela amiga Ana  
Obrigada mas não seguirei as regras que o mesmo obriga.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Véu de pranto e saudade


À memória de meu pai
É Janeiro!


Neste dia, hoje e sempre, é como se me morresses outra vez. E outra. E mais outra.

É como se os barcos estivessem no mar, apenas porque tu não passas no cais e eles estão esperando por ti.

Gostava de acordar novamente com o eco da tua gargalhada a ressoar na casa grande e a perder-se na planície, mas sei que é impossível.

Nunca mais ouvirei a ternura da tua voz, é um facto consumado.

As memórias estão mais esbatidas, é certo, mas o silêncio e as saudades de ti, doem bem no fundo de mim.

Mas tu dizias que não me querias triste e, sabes, eu não estou triste, é apenas saudade, porque depois de tantos anos ainda me faz falta o teu abraço.

© Piedade Araújo Sol 2013-01-01
foto : moosiatko 


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