terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Ternuras de Poeta

Há poemas que não se podem escrever
pois seriam apenas vocábulos, que
nem merecem sequer ser  recitados,
porque a raiva inundaria de ternura as palavras do poeta.

E depois, que seria das cores esquivas,
com que não se podem colorir no poema,
em dias de névoa como hoje,
em que a brisa roça apenas a pele seca.

Que seria das minhas mãos  sem rabiscar
letras alinhadas ou simplesmente sem nexo,mas
sem pintar afectos, desilusões amores e desamores,
em papéis dispersos no tempo.

Não sei a grandeza incólume do destino,
mas sei   o reflexo que deixo sempre transpor,
nos dias em que a luz escassa não dá tréguas,
nem me deixa desenrolar o dia com fios de luz como eu desejaria.

E sei que o mais belo poema é feito,
não de palavras soltas
mas de alegrias, dores e  sentimentos,
que o Poeta gosta de ornamentar numa tela
dependurada no acaso que é a vida.

©Piedade Araújo Sol  2016-01-22

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Desacertos de inspiração

Christine Ellger
Ás vezes acho que te consigo encontrar,
nos escombros de algum verso, garatujado
nalguma página por aí.
Mas subsistem apenas resquícios de letras,
e nos arquivos inexistentes não vejo nada,
que me retenha a letra.
Perdi-me num desacerto do tempo,
onde todos os desencontros desaguaram em mim,
sem eu sequer saber os motivos.
Mas insisto, e reinvento escritas
reflexos e fios_______ pinto-os e lanço-os no papel,
até serem recuperados e interpretados.


©Piedade Araújo Sol  2016-01-18

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Labirintos

Kamil Vojnar
Já não sufocamos na luxúria
mas a noite ainda  é 
o reflexo do que somos
quanto estamos
lado a lado  na
penumbra do quarto
com o pecado consumido
na pureza dos corpos.

© Piedade Araújo Sol 2016-01-11

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

quem sabe dos barcos


Quem sabe dos barcos
a subir na maré
aos olhos da madrugada?
 hajota 
e como se a insónia fosse o mar,
eu ouvia-o nas noites quentes de verão,
nessa altura o mar quase que nos entrava,
destapado pela porta da entrada.

eu na cama ancorada, ouvia a fúria
e sabia da espuma das ondas
em seu  persistente bailado, sabia
que no dia seguinte tu ias saber dos barcos.

ensonada  também  ia, e  subia
para a ponta mais alta do cais
e mergulhava
com deleite o meu olhar sobre tudo.

e como a tua imagem era a mais alta de todas,
do meu posto de vigília eu usurpava,
as palavras e até o teu respirar,
e os gestos dos teus braços.

Sabes! A casa da praia já não existe,
agora é apenas um jardim com flores,
por vezes cheias de sede,
e com falta de cores.

E os barcos, pai!
Os barcos pai! Foram abatidos!
E os que restaram, agora até servem para
trazerem coisas durante a madrugada.

©Piedade Araújo Sol 2015-12-30

(em memória do meu pai)