terça-feira, 28 de novembro de 2017

Às avessas

Julie de Waroquier
devolvo um sorriso,
e na tarde que cai,
aliso minhas quimeras,
espalhadas por aí,
dispersas,
folhas de papel,
sem cor definida,
e por escrever,
aqui por desvendar,
remexo meus pensamentos,
sinto-me serena

(para ser lido também de baixo para cima)

© Piedade Araújo Sol 2006-05-04 (reeditado)

terça-feira, 21 de novembro de 2017

O Poema

Damian Drewniak

O poema pode nascer nos teus olhos, sem que tivesses feito nada por isso.
Um sorriso apenas e o poema salta para o papel, voa e ganha asas pelas planícies de um lugar em silêncio na retina dos teus olhos.
Galga fronteiras como se fosse um cavalo alado, a galopar nas asas secretas da tua imaginação prenhe de acasos.
O poema nasce em ti e nos dedos esquivos, que se tornam dóceis que escrevem palavras que dedilhas como se fossem renda de bilros que um dia viste nas cortinas da casa da tua avó.
Sabes que um dia os lançaras ao fogo e que serão devorados pelas chamas sequiosas, como se fossem elas, abutres em redor de carne putrefacta.
Um dia apenas a memória tecerá em ti memórias (outras) de um poema que ninguém leu e que o fogo devorou.
Um dia que pode ser já hoje!
.
© Piedade Araújo Sol 2012-05-15

terça-feira, 14 de novembro de 2017

a lengalenga das mãos

Istvan Sandorfi
Eu podia pegar nas tuas mãos e dizer-te palavras bonitas e sei que elas já não significam nada.

Naquele outro tempo, eu pegava na tua mão e ela segurava a minha, assim, como se fossem as duas uma só.

E hoje as tuas mãos devem segurar outras que se encaixam nas tuas, como as minhas, um dia se encaixaram.

E eu podia escrever textos e cartas e até poemas, com palavras belas e cheia de ternura, mas eu não sei se alguma vez, o significado que eu lhe daria, seria compreendido por alguém.

E eu sei que a vida é bela, e não sei porque, às vezes, eu vejo a vida a passar e fico para aqui alheada dela.

Queria escrever que a felicidade é sentir que a solidão afinal pode ser compartilhada, e que as minhas mãos por vezes ainda sentem o calor das tuas, embora os meus dedos, já não se entrelaçam nos teus, e, penso que elas, as tuas mãos continuam macias e levam outras mãos a caminhar pelas palavras bonitas que eu podia dizer e que sei escrever e que talvez hoje já não significam nada...

© Piedade Araújo Sol 2007-01-11

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Uma história sem história

Anka Zhuravleva
Não escrevi uma, mas, várias histórias que falavam sobre ti.

Desenhei várias vezes o teu rosto sobre as águas do rio, mas, tu rias e dizias sempre que eu era muito complexa, e que ninguém pode desenhar nada sobre as águas, e, muito menos o teu rosto.Mas,eu sempre fiz isso e ainda faço.

Hoje as bátegas de chuva que caíram desamparadas sobre as águas do rio, fizeram-me acreditar que, afinal, o teu rosto, não é a única coisa que eu posso desenhar nas suas águas...

Também posso desenhar a minha mágoa, e assim talvez me sinta mais desprendida desta amargura que me abraça como uma teia e me aniquila vagarosamente.

Não escrevi uma história sobre ti. Mas várias, muitas delas pela alvorada dentro, quando a saudade me fazia avivar ainda mais a falta da tua presença.

Hoje estou aqui de pé junto da janela que dá para o rio, desenho nos seus vidros ofuscados pelo vapor que sai da minha respiração, um barco que vai embora e lá dentro em vez de um marinheiro, desenho uma sombra abstracta que simboliza a minha mágoa, que retrata a minha e a tua história sem história..

© Piedade Araújo Sol 2006-10-31 
(reeditado)